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Pesquisadores identificam 20 novas espécies de microminhocas no Cerrado – 08/09/2020

O Cerrado abriga 20 potenciais novas espécies e um novo gênero de enquitreídeos (Oligochaeta, Annelida), também conhecidos como microminhocas

  • Descoberta no Distrito Federal é resultado do primeiro estudo da diversidade desse grupo da fauna invertebrada no bioma.
  • Resultado mostra que Cerrado é tão rico nesse tipo de fauna quanto a Amazônia ou a Mata Atlântica.
  • Menores que as minhocas, os enquitreídeos também são bons indicadores da qualidade do solo e da sua biodiversidade.

Pesquisa realizada em solos do Distrito Federal e de Goiás revela que o Cerrado abriga 20 potenciais novas espécies e um novo gênero de enquitreídeos (Oligochaeta, Annelida), também conhecidos como microminhocas, organismos que ocorrem em quase todos os solos do mundo. A publicação dessas espécies e gênero ainda depende de confirmações de algumas dessas características e análises mais detalhadas.

Os exemplares foram coletados em solo de vegetação natural e em áreas agrícolas e pertencem a seis gêneros diferentes. Este é o primeiro levantamento quantitativo e qualitativo da população de enquitreídeos no Cerrado realizado com metodologia padronizada e recebeu apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF). 

Os levantamentos mostraram que o Cerrado é tão rico nesses organismos quanto florestas de outros biomas brasileiros com temperaturas mais amenas e maiores índices pluviométricos.

A pesquisadora da Embrapa Cerrados (DF) Cintia Niva, coordenadora do estudo, diz que os resultados são surpreendentes: “A ideia geral era que havia poucas microminhocas no Cerrado devido ao prolongado período de seca, já que esses invertebrados precisam de solos úmidos para sobreviver. No entanto, os dados obtidos mostram que temos aqui uma população tão abundante e rica quanto à da Mata Atlântica e à da Amazônia, e composta por várias espécies possivelmente endêmicas, ou seja, restritas ao Cerrado”.

As microminhocas

Os enquitreídeos são parentes próximos das conhecidas minhocas, mas com tamanho bem menor e praticamente sem pigmentação, deixando transparecer seus órgãos internos quando observados no microscópio. 

No Cerrado, a maioria deles têm até um centímetro de comprimento e dois milímetros de diâmetro corporal. Na Mata Atlântica, já foram encontrados exemplares de até quatro centímetros de comprimento. 

A importância do estudo das microminhocas está relacionada às funções que elas desempenham no ecossistema, uma vez que contribuem para a decomposição de matéria orgânica, ciclagem de nutrientes, formação do solo e cadeia alimentar. Apenas 62 espécies terrestres ou semiaquáticas são conhecidas até hoje na América Latina (dessas, 47 existem no Brasil), e 710 válidas em todo o mundo. A pesquisadora conta que há uma hipótese que considera a América do Sul como o centro de origem das microminhocas, o que eleva a expectativa de uma alta diversidade no continente à medida que mais áreas são estudadas.

Os dados servirão de base para o uso desse grupo de organismos como indicadores da conservação da diversidade e da qualidade do solo como habitat no Cerrado em diferentes sistemas de produção. “Ainda existe uma carência de métricas que possam auxiliar no diagnóstico de qualidade do solo, especialmente com base na biodiversidade. Por isso, os trabalhos com bioindicadores são importantes para estimar a sustentabilidade dos ambientes”, explica Niva. 

Demandas da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU) incluem a necessidade de sistemas de produção sustentáveis, proteção à vida terrestre e ação contra as mudanças climáticas. Nesse cenário, os sistemas produtivos devem promover a redução da perda de biodiversidade e garantir a prestação de serviços ecossistêmicos. “Para que isso ocorra, é imprescindível conhecer a biodiversidade que temos no solo para poder desenvolver ferramentas úteis no monitoramento e agregar mais valor aos sistemas produtivos”, completa a pesquisadora.

Indicadoras da qualidade do solo
Os seres que habitam o solo são os responsáveis por mantê-lo em saudável funcionamento. Mas nem sempre eles recebem a devida atenção. Apesar disso, alguém pode se perguntar por que não estudar apenas as minhocas como referência da saúde do solo.

“Apesar de os enquitreídeos e as minhocas contribuírem para os mesmos serviços ecossistêmicos, como a ciclagem de nutrientes e a estrutura do solo, eles os fazem de forma diferente em função de seu tamanho corporal e de sua posição na cadeia alimentar”, responde Cintia Niva:

Os enquitreídeos também têm susceptibilidades diferentes à qualidade do solo e seu habitat, e por isso, muitas vezes, ocorrem em locais onde as minhocas são pouco abundantes. Portanto, a relevância ecológica, sua ampla distribuição geográfica e sensibilidade a mudanças no meio ambiente tornam as microminhocas potenciais candidatas para o monitoramento de sistemas. 

Vegetação nativa x áreas de produção 
As amostras foram coletadas entre 2016 e 2018 em área de vegetação natural do Parque Nacional de Brasília, do Jardim Botânico de Brasília e de área de Cerradão na Embrapa Cerrados.

Para as áreas cultivadas, foram coletados solos dos agrossistemas: integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF); integração lavoura-pecuária (ILP); silvipastoril; plantio de eucalipto; pastagens e sistema agroecológico.

De modo geral, percebeu-se que a densidade e a riqueza de microminhocas é maior em solos de vegetação nativa, o que pode ser atribuído à maior disponibilidade e à qualidade do material orgânico e ao menor grau de atividade antrópica no solo. Altas densidades são encontradas também em áreas cultivadas, mas a diversidade de espécies é menor.

Nas áreas cultivadas, mais de 85% dos enquitreídeos encontrados pertencem ao gênero Enchytraeus. “Pesquisas anteriores caracterizam essas espécies como r-estrategistas, ou seja, elas se reproduzem rapidamente e têm facilidade de se adaptar a ambientes alterados, o que explica sua predominância em áreas agrícolas”, justifica Niva.

A atividade agropecuária modifica as condições do solo como habitat, ao mesmo tempo em que reduz a população de gêneros e espécies predominantes em área de vegetação nativa, que aparentemente são mais sensíveis, como é o caso de Guaranidrilus (o gênero mais abundante em áreas naturais). Essas condições favorecem o aumento de populações de espécies menos sensíveis, ou mais tolerantes, e com facilidade de adaptação e reprodução.

Microminhoca Guaranidrilus 1

 

Metodologia apropriada 
Para essa pesquisa, a coleta e a extração de enquitreídeos foi realizada de acordo com o protocolo internacional ISO 23611-3, o mesmo adotado nos estudos pioneiros na Amazônia e na Mata Atlântica.

As amostras, colunas de solo com tamanho padronizado, foram mantidas refrigeradas. Após a extração dos organismos por um equipamento específico, eles foram separados e analisados em até dois dias, já que as características taxonômicas são mais visíveis, sob microscópio óptico, em indivíduos ainda vivos.

Posteriormente, os exemplares foram fixados em líquido preservante. A determinação e confirmação da espécie são realizadas pelo taxônomo Rüdiger Maria Schmelz, da Universidade da Coruña (UDC), Espanha, pois não existe taxônomo especializado ativo nesse grupo no Brasil.

Vários estudos da fauna edáfica realizados com outros métodos têm demonstrado a presença das microminhocas em diversos ecossistemas (naturais e cultivados) na América do Sul, algumas vezes com densidades populacionais expressivas. Esses estudos, entretanto, não determinaram sua diversidade, o que dificulta a comparação dos dados e a avaliação mais precisa da eficiência dos enquitreídeos como bioindicadores.

A hipótese inicial era de que a abundância de microminhocas na região de clima tropical seria menor do que em regiões de clima temperado. “Estudos na floresta ombrófila mista no estado do Paraná relatam densidade média de 12 mil indivíduos por metro quadrado e na Amazônia, menos de cinco mil. Contrariando a hipótese inicial, a pesquisa indicou que a densidade no bioma Cerrado é 13 mil, em média, na época chuvosa e, em algumas situações, chegamos a encontrar 30 mil”, comemora a pesquisadora.

Apesar disso, foi registrado grande encolhimento da população nos períodos de seca no solo, até cinco centímetros de profundidade. “Provavelmente, a sobrevivência desses seres durante o período de seca depende de alguma estratégia que ainda precisa ser investigada, como quiescência [período de dormência ou hibernação] ou migração para camadas mais profundas do solo”, supõe. Segundo Niva, a umidade é um fator importante para os enquitreídeos, pois eles respiram pela pele. A pesquisadora relata que observou uma redução forte na população em 2016, provavelmente pela seca extrema e prolongada que ocorreu naquele ano.

Em regiões de clima temperado, as microminhocas já são usadas na avaliação da qualidade biológica do solo em diferentes sistemas de uso, de impactos relacionados ao desmatamento, ao aquecimento global, entre outros. A pesquisadora afirma que elas também são bons organismos-teste em ensaios de laboratório e de campo para indicar o grau de contaminação do solo em relação à toxidade de produtos químicos, metais pesados, derivados de petróleo e até dejetos industriais e domésticos. “Na Embrapa, já testamos o efeito de solos com cinzas, pós de rocha e agrotóxicos usando os enquitreídeos em laboratório. A expectativa é que os enquitreídeos sejam usados como bioindicadores também no bioma Cerrado”, finaliza Cintia Niva.

Microminhoca Hemienchytraeus

 

Juliana Miura (MTb 4.563/DF)
Embrapa Cerrados

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