Dia de Campo e Giro Técnico da Expozebu 2019 receberam cerca de 500 produtores e estudantes
Sistemas de Integração Lavoura-Pecuária (ILP) e de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), medidas para manter a produtividade do pasto e a fertilidade do solo, além de um estudo sobre a produção de leite em um sistema ILPF, tendo como pano de fundo a recuperação das áreas com pastagens degradadas, foram os temas apresentados no Dia de Campo e no Giro Técnico realizados pela Embrapa e a Associação dos Criadores de Zebu (ABCZ) de 1º a 3 de maio em Uberaba (MG), durante a 85ª Edição da Expozebu, maior feira de zebuínos do mundo.
Nos três dias, participaram cerca de 500 pessoas, entre produtores, técnicos e alunos de cursos de ciências agrárias. As apresentações foram realizadas na Estância Orestes Prata Tibery Junior por pesquisadores da Embrapa Cerrados (DF) e da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), além de representantes comerciais do Grupo Vittia e da Agroceres, empresas apoiadoras dos eventos juntamente com a Major, o Governo de Minas Gerais e a Associação para o Fomento à Pesquisa de Melhoramento de Forrageiras (Unipasto).
Na primeira estação, o pesquisador João Kluthcouski (João K), da Embrapa Cerrados, falou sobre as modalidades dos sistemas ILP e ILPF. Ele estabeleceu a cronologia das “revoluções verdes” brasileiras, com a correção de acidez e adubação dos solos tropicais, a tropicalização e o melhoramento da soja, a introdução e o melhoramento de forrageiras tropicais, a introdução e o melhoramento do gado zebu, o Sistema Plantio Direto (SPD) e a safra e safrinha num mesmo período de chuvas. “Todas essas revoluções estão juntas nos sistemas de Integração Lavoura-Pecuária”, afirmou.
Os sistemas de integração se constituem no consórcio, na sucessão ou na rotação de culturas agrícolas e espécies forrageiras, viabilizando a produção de grãos, carne ou leite e de madeira (quando a árvore é inserida) na mesma área e melhorando a qualidade do solo, além de aumentar a produtividade. De modo geral, a sequência do sistema se dá com o plantio e colheita da soja, plantio de milho consorciado com braquiária, formação do pasto após a colheita do milho, pastejo dos animais para engorda na entressafra e vedação de área para a formação de palhada para proteger gerar matéria orgânica para o solo. “São quatro colheitas em 12 meses numa mesma área. E se tiver árvore, a cada seis anos há uma quinta colheita”, resumiu João K.
“A integração se baseia no sinergismo, com benefícios para a agricultura e a pecuária. E por ser um sistema bom, ele já está em15 milhões de ha no Brasil, ou seja, 25% da área cultivada com culturas temporárias”, disse. Segundo o pesquisador, os sistemas de integração permitem a diversificação da produção, a intensificação do uso da terra, a redução de custos e a minimização de riscos. “Essas são as premissas da agropecuária do futuro”, destacou o pesquisador.
Em seguida, ele apresentou as diversas modalidades existentes de sistemas de integração: Sistema Barreirão (recuperação ou renovação de pastagens degradadas com consórcio de cultura anual com capim); Sistema Santa Fé (consórcio de cultura anual e capim para a produção de forragem na entressafra e palhada para Plantio Direto); Sistema Santa Brígida (consórcio de cultura anual, capim e guandu, uma leguminosa forrageira); Sistema São Mateus (recuperação de pastagem com soja após correção de solo e plantio do pasto no primeiro ano); Sistema Santa Ana (recuperação de pastagens com silagem); Sistema São Francisco (sobressemeadura de sementes de pastagens em culturas no final do ciclo); Sistema Gravataí (consórcio de feijão-caupi e capim); e Sistema Vacaria (recuperação de pastagens com dessecação parcial e introdução de cultura agrícola).
Ao mostrar um desenho ilustrativo do consórcio de culturas anuais com forrageiras, o pesquisador destacou o papel das braquiárias, que têm sistemas radiculares profundos e adensados, formando malhas no solo. “Quando você desseca a braquiária, cada raiz vira um canal de entrada de água. E 80% da raiz é carbono que está imobilizado por muito tempo”, explicou, ao falar sobre o papel mitigador da emissão de gases de efeito estufa dos sistemas de integração.
Ao final, João K lembrou que existem máquinas que podem ser utilizadas por pequenos produtores para iniciarem os sistemas de integração, como a motossemeadora, um equipamento movido a bateria que pode ser acoplada a motocicletas, tratores, colhedoras e até mesmo pulverizadores. De baixo custo, o equipamento foi desenhado para a sobressemeadura do capim em soja. “A máquina foi desenvolvida para o pequeno produtor, mas até o grande está usando, acoplando-a a pulverizadores autopropelidos”, finalizou.
Fazenda sustentável
O pesquisador Luiz Adriano Cordeiro, também da Embrapa Cerrados, apresentou a estação “Fazenda Produtiva Sustentável: recuperação/estabelecimento de pastagens após colheita de milho silagem consorciado com capim”. Ele destacou os benefícios do sistema ILP para a pecuária (pastagens de melhor qualidade, amortização dos custos com a recuperação dos pastos, oferta de forragem na seca, maior produção de carne ou leite e mais liquidez e rentabilidade) e para a agricultura (mais resíduos vegetais sobre o solo, evitando a erosão; palhada das pastagens para Plantio Direto; melhor qualidade do solo; maior produtividade de grãos com redução de custos e maior rentabilidade adicional da pecuária na seca).
Segundo Cordeiro, a partir do momento em que se utiliza a agricultura para amortizar os custos da reforma de pastagens, há o benefício do pasto mais barato ou de graça. “Mas não é só isso. Ao estabelecer o pasto no fim das chuvas, o produtor terá uma pastagem de outono-inverno. Esse pasto não pendoa e, se há umidade no solo e 300 kg/ha de adubo (da lavoura anterior), as plantas vão aprofundar as raízes, absorver nutrientes e emitir folhas, mesmo na seca”, explicou. Por outro lado, o lavoureiro que utiliza a pecuária no sistema pode obter uma expressiva massa de palhada para o Plantio Direto da safra seguinte.
Cordeiro demonstrou ser possível aumentar a produtividade de um pasto com 0,8 unidade animal (UA)/ha e produção de 4@/ha/ano, situação que representa cerca de 80% da realidade das pastagens do Cerrado, para mais de 5 UA/ha produzindo de 20 a 30 @/ha/ano com a adoção do sistema ILP de capim com milho para silagem.
Com uma pequena plantadeira ou uma distribuidora de sementes, uma grade aradora, calcário, gesso e adubo, o pecuarista pode fazer ILP com milho silagem e capim. “Use a silagem com a sua estrutura de fazenda, rodando nas áreas todos os anos, para recuperar o pasto. Já é um grande avanço, você dilui o custo da atividade fazendo que a silagem pague o custo da reforma de pasto”, disse o pesquisador. “São coisas simples que o produtor já fazia, só que separadamente”, completou.
O pesquisador falou sobre os sistemas implantados na estação para a recuperação de pastos degradados e a formação de silagem e de nova pastagem. São quatro áreas de 1 ha cada, sendo três com consórcio milho e Brachiaria brizantha BRS Paiaguás e uma com pastagem solteira BRS Paiaguás, todas plantadas no mesmo dia. A primeira área foi ocupada por pasto no primeiro ano, por soja no segundo e pelo consórcio milho e capim no terceiro. Na segunda, o capim do primeiro ano deu lugar ao consórcio no segundo e no terceiro anos. Na terceira, o consórcio foi plantado após dois anos com pastagem. Na quarta área, são três anos com pasto. As diferenças de cor e de porte do milho são visíveis, sendo a primeira área mais vistosa em virtude da safra anterior de soja.
As estimativas de capacidade produtiva das áreas são, respectivamente, 40 t/ha de milho, 4.000 kg de matéria seca (MS)/ha de pasto, taxa de lotação de 5 UA/ha, ganho de peso médio de 800 g/cab/dia e produção de 18@/ha de animal no primeiro sistema; 35 t/ha de milho, 4.000 kg de MS/ha de pasto, 5 UA/ha, ganho de peso médio de 800 g/cab/dia e 18@/ha no segundo; 30 t/ha de milho, 3.500 kg MS/ha de pasto, 3 UA/ha, ganho de peso médio de 500 g/cab/dia e 12@/ha no terceiro; e 2.500 kg MS/ha de pasto, 2 UA/ha, ganho de peso médio de 300 g/cab/dia e 8@/ha no quarto.
“Nos três primeiros sistemas, quem paga o investimento é a cultura do milho. No quarto, a produtividade do pasto de primeiro ano é boa, mas quem paga o investimento é somente a arroba do boi”, observou Cordeiro, que também destacou a maior capacidade de suporte dos sistemas de integração em relação à pastagem solteira recuperada.
Pecuária leiteira na ILPF
Na estação sobre produção de leite e comportamento das vacas em sistema ILPF, a pesquisadora Isabel Ferreira, da Embrapa Cerrados, apresentou resultados parciais de dois anos de experimento realizado no Centro de Tecnologias para Raças Zebuínas Leiteiras (CTZL) da Unidade, em Brasília (DF) com vacas Gir e Girolando.
O estudo está no terceiro ano e tem medido as variáveis produção de leite, produção e valor nutritivo de forragem, comportamento animal, reprodução (quantidade e qualidade de ovócitos e embriões), produção de metano ruminal, temperatura animal, taxas de hormônios, microclima (temperatura, radiação, pluviosidade, velocidade do vento), crescimento e produção de madeira, além de índices ambientais. Os animais permanecem em áreas com ILPF e de pastagem a pleno sol – ambas de 8 ha divididos em 12 piquetes.
A produção de leite por área a pleno sol foi de 9.181 kg/ha/ano em 2017 e 12.299 kg/ha/ano em 2018, enquanto na sobra das árvores do sistema foram produzidos 8.239 kg/ha/ano em 2017 e 12.672 kg/ha/ano em 2018, ano em que foi feito o desbaste das árvores e os animais eram mais uniformes. Ao se descontar a área das árvores, a produção de leite por área na sombra foi de 9.004 kg/ha/ano em 2017 e 13.699 kg/ha/ano em 2018.
Já a produção média individual das vacas a pleno sol nos dois anos foi de 12,4 kg/dia e de 13,1 kg/dia na sombra. “Observamos que a produção de leite das vacas que estão à sombra tende a aumentar. E isso está muito associado aos picos de temperatura máxima, quando a produção chegou a aumentar 17% no primeiro ano e 4,8% no segundo, quando o calor foi menor com a antecipação das chuvas”, explicou a pesquisadora.
A produção de matéria seca (MS) de forragem de P. maximum cv. Mombaça a pleno sol foi de 5,7 kg/ha nos dois anos (amostras coletadas entre fevereiro e maio), e de 3,5 kg/ha (2017) e 4,4 kg/ha (2018) na área de sombra. Por outro lado, o teor de proteína bruta foi de 8,3% da MS a pleno sol e de 11,5% da MS na sombra da ILPF (diferença de 38%). A digestibilidade in vitro da matéria seca (DIVMS) foi de 64,4% a pleno sol de 72,6% na sobra.
Quanto ao comportamento animal, foi observado que os animais sob a sombra passaram 52% mais tempo ruminando que a pleno sol. A pleno sol, por outro lado, o tempo de ócio dos animais foi 22% maior. Sob a sombra, as vacas também ficaram 14% a mais de tempo em pé e 15% mais tempo no piquete, enquanto a pleno sol os animais permaneceram 21% mais tempo deitadas e 41% a mais de tempo no corredor.
A pesquisadora apontou uma mudança no comportamento dos animais: “As vacas da área a pleno sol vêm beber água e ficam deitadas na área de lazer. Já as da sombra bebem água, voltam ao piquete e começam a ruminação em pé. Se a vaca está ruminando muito, vai produzir ácidos graxos no rúmen, requisito básico para a produção de leite. O tempo a mais de ruminação é um fator que favorece a produção de leite”.
Pastagem produtiva
Fernando Franco, pesquisador da Epamig, abordou o manejo da fertilidade do solo para formar e manter pastagens produtivas e longevas. Ele lembrou que o Brasil tem de 80 a 100 milhões de hectares de pastagens em situação de degradação, o que impacta o meio ambiente e a economia do País e a saúde financeira do produtor. “O pecuarista trabalha com uma espécie perene. Isso é uma vantagem que se torna desvantagem para quem não se preocupa em fazer a manutenção correta da pastagem”, apontou.
Por isso, é necessário cuidar da fertilidade do solo, que segundo pesquisador, vai além da disponibilidade de nutrientes: “É um solo que tenha cobertura, possibilidade de infiltração e retenção de água, nutrientes disponíveis, acumule carbono e tenha atividade biológica, com ciclagem de nutrientes. Temos que fazer que os atributos químicos, físicos e biológicos do solo estejam bem equilibrados e interajam de forma sinérgica”, comentou, salientando que para se ter uma pastagem de qualidade é preciso resgatar a fertilidade do solo observando-se esses fatores.
O pesquisador também citou a necessidade do ajuste da carga animal e da análise constante do teor de nitrogênio e de fósforo nas folhas, o que embasaria a reposição periódica desses nutrientes para manutenção da qualidade e da produtividade da pastagem, evitando assim o processo de degradação. “O mínimo que tem que ser feito é a análise anual do solo”, disse.
Ele também salientou a importância da escolha da espécie forrageira na renovação da pastagem. “É preciso adequar o nível de tecnologia disponível e a condição do solo à exigência cultivar. A distribuição de sementes, é outro ponto crítico. Deve ser homogênea para evitar o surgimento de plantas daninhas”, recomendou.
Em casos de compactação e erosão do solo sob a pastagem, Franco indica o revolvimento e a construção de terraços e bolsões, medidas necessárias, mas que encarecem a recuperação das pastagens. “Mas se depois de formar o pasto o produtor colocar uma alta taxa de lotação e sem manejo algum, no segundo ano ele terá que mexer novamente na área”, alertou, acrescentando que um pasto bem formado e bem manejado pode ter vida útil mais longa. “A possibilidade de ganhar dinheiro é dando longevidade à pastagem”.
Outros fatores importantes para a tomada de decisão quanto à estratégia de recuperação ou de reforma das pastagens apontados Por Franco são a disponibilidade de caixa, a possibilidade de financiamento, a necessidade de aumento da capacidade de suporte, entre outras. “Pastagem recuperada se paga tranquilamente, desde que bem manejada, e é agregação de valor à terra”, frisou.
Como exemplo de sistema sustentável, o pesquisador da Epamig apresentou o caso de uma fazenda em Gurinhatã (MG), onde uma área de 1 ha em que o milho semeado com capim Marandu (Brachiaria brizantha) obteve produtividade de 80 sc/ha. “Isso garantiu ao produtor a formação do pasto quase de graça. E o solo, que é arenoso, está protegido pela cobertura (da braquiária). É uma medida de sustentabilidade”, afirmou.
A última estação foi dividida entre os representantes do Grupo Vittia e da Agroceres. Eles apresentaram produtos de biotecnologia e manejo nutricional em pastagens. Os participantes também puderam tirar dúvidas sobre os sistemas de integração e cultivares forrageiras com a pesquisadora Giovana Maciel, da Embrapa Cerrados.
Realidade no campo
Produtores que percorreram as estações consideraram os conteúdos do Dia de Campo adequados à realidade dos pecuaristas do Triângulo Mineiro. “Está dentro das necessidades do produtor, que convive com baixas produtividades e degradação dos pastos. É o caso da nossa região, onde o pessoal faz pastejo contínuo, sem manejo. Acho que a integração é uma saída”, comentou Adaoneli Rodrigues, de Santa Vitória (MG).
Calixto Jorge Sobrinho, de Frutal (MG), concordou com Adaoneli. A maior parte da propriedade está atualmente arrendada para uma usina de cana de açúcar. “Futuramente, penso em formar pasto nessa área, talvez consorciando milho com capim, ainda que aos poucos”, projetou.
Para Vinicius Oliveira Jorge, que acompanhava Calixto, a estação sobre produção de leite em ILPF foi a que mais lhe chamou a atenção. “Não imaginava a importância do sombreamento, que influencia na produção de leite”, comentou.
Foto: Breno Lobato