Técnicas sustentáveis melhoram a qualidade do solo, ampliam diversidade da área e aumentam a produtividade
Enquanto o mundo se assombra com os eventos climáticos extremos que pautam os debates da COP-28, a 28.ª Conferência de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), em Dubai, nos Emirados Árabes, o Brasil vai fazendo sua lição de casa. Cada vez mais agropecuaristas brasileiros estão adotando sistemas de produção integrados com lavouras, gado e árvores.
Além de recuperar áreas degradadas, a integração permite que grãos, carne e leite sejam produzidos com menos emissões de gases de efeito estufa, ou seja, com uma pegada de carbono menor, o que é bom para o clima. É a agropecuária sustentável não só do portão para dentro, mas também de baixo para cima. Os vários modelos de sistemas integrados melhoram a qualidade do solo, ampliam a diversidade da área, aumentam a produtividade das lavouras, das pastagens e dos animais e, de quebra, produzem maior conforto térmico, preservando a saúde do gado e o ambiente.
“Os sistemas integrados lavoura-pecuária-floresta representam um dos grande trunfos para melhorar o desempenho da agropecuária nacional pelo ponto de vista econômico e ambiental”, afirma o pesquisador Bruno Alves, da Embrapa Agrobiologia e coordenador da Câmara Temática de Carbono, um dos braços da Rede Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF).
A Rede ILPF foi formada em 2012 por um grupo de empresas capitaneadas pela Embrapa para acelerar a adoção das tecnologias de sistemas integrados pelos produtores. “A possibilidade de melhorar a fertilidade do solo com a combinação lavoura-pastagem faz com que a produtividade aumente. Em consequência, o material vegetal que retirou carbono da atmosfera se acumula no solo como matéria orgânica. É o que se conhece por sequestro de carbono”, explicou Alves.
Fazenda Esperança, do produtor Invaldo Weis e localizada em Sinop-MT, adota o sistema integrado de produção conhecido pela sigla ILPF lavoura, pecuária e floresta. Ele tem produção de soja, gado e plantação de eucalipto Foto: FABIO VINICIUS PLETKA / ESTADÃO
Baixa pegada de carbono logo será condição básica para garantir exportações para a Europa e outros países, segundo ele. “Esses efeitos de redução de emissões de gases são ainda mais fortes em sistemas que incluem árvores, as quais, ao produzir sombra, permitem maior conforto para os animais em dias de sol intenso. Esses benefícios são percebidos pelos agricultores que, aos poucos, vão adotando essa forma de produzir”, disse. A Rede catalisa o processo por meio de treinamentos, dias de campo e apoio às Caravanas ILPF realizadas pela Embrapa em todas as regiões do País.
A conversão da agropecuária tradicional para a sustentável avança a passos largos. A meta estipulada pelo Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Plano ABC+) em 2009 era aumentar em 4 milhões de hectares a área com ILPF em todo o País em 2020. De 5,51 milhões de hectares em 2010, o sistema avançou para 11,47 milhões de hectares em 2015, superando a meta em quase 50%. Dali para 2021, houve outro salto ainda maior para 17,5 milhões de hectares, segundo dados da Rede.
Caminho longo
A ratificação do Acordo de Paris sobre as mudanças do clima pelo governo brasileiro, em 2016, adicionou à meta do plano mais 5 milhões de hectares com sistema ILPF. Assim, o País deve alcançar 35 milhões de hectares sob esse manejo até 2030. Ao chegar a esse patamar, com estas e outras práticas sustentáveis na agropecuária, o Brasil pode evitar a emissão de 1 bilhão de toneladas de CO2 na atmosfera na próxima década, segundo estimativa da Embrapa.
Há, ainda, um longo caminho a percorrer. Conforme o Ministério da Agricultura e Pecuária, o Brasil tem cerca de 350 milhões de hectares ocupados pela agropecuária. Se a meta para 2030 for cumprida, até lá, apenas 10% dessa imensidão de pastos e lavouras estarão com algum sistema integrado. Hoje, 83% da área manejada utilizam a integração apenas de lavoura e pecuária, enquanto 9% são de lavoura-pecuária-floresta, 7% de pecuária-floresta e 1% de lavoura-floresta.
Conforme a Rede, os Estados mais avançados em áreas com sistemas integrados são Mato Grosso do Sul (3,1 milhões de hectares), Mato Grosso (2,9 milhões), Rio Grande do Sul (2,2 milhões), Goiás e Distrito Federal (1,4 milhão) e São Paulo (1,3 milhão).
Nos principais mercados mundiais, o “boi de capim” do Brasil vem substituindo a “carne de ração” dos países onde o sistema de confinamento predomina. O problema é a baixa produtividade das pastagens brasileiras: estima-se que 90 milhões de hectares sejam de pastos degradados. É uma situação que vem de muitas décadas atrás, segundo o presidente do Conselho de Administração da Cocamar, Luiz Lourenço, que é também um dos fundadores da Rede ILPF. “No Paraná, o solo era muito bom, era uma região de floresta que depois passou para o algodão, o café e a pastagem. Era tanto pasto e tão alto que encobria o gado.”
O problema é que o criador da época não se preocupava com a correção de solo e, ano após ano, a terra foi se exaurindo. “Foi um desastre completo, (o solo) empobreceu ao ponto de não produzir mais nada. Lá pelos anos de 1992 e 1993 tivemos um monte de invasões de terras no Paraná e muitos produtores plantaram soja de qualquer jeito nessas áreas só para se livrar das invasões”, lembra. Foi quando Lourenço, à frente da Cocamar, começou a trabalhar o sistema de integração lavoura-pecuária.
Ele lembra que, na época, a Embrapa também tinha essa preocupação e fazia trabalhos parecidos em Minas Gerais e Goiás. “Aí fizemos a Rede, que hoje reúne um monte de gente graúda para ajudar a disseminar a técnica para o Brasil inteiro. E continuamos fazendo isso na Cocamar. A ordem é ajudar o produtor a fazer essa virada”, disse Lourenço.
Matéria Estadão